segunda-feira, 8 de março de 2010

Uma chance à vida.

Hoje fui à praia pela primeira vez em 54 anos de vida. Antes não me fazia falta conhecer o mar, mas agora que sei que estou próximo da morte senti a necessidade de conhecê-lo. Queria chegar mais perto, mergulhar na água salgada, sentir o gosto do sal, mas não tive coragem. De repente, fiquei com medo das ondas traiçoeiras. Sei que vou morrer, mas ainda não quero ir. O médico que descobriu meu câncer, diagnosticado tardiamente, não me deu mais que seis meses de vida e já estou no quinto mês. Pode parecer que faça pouca diferença para quem já viveu mais de meio século, um mês ou um dia, mas para mim esta diferença é enorme. Aliás, desde que soube da minha doença, o tempo parece passar mais depressa. Nos primeiros dias, ia trabalhar como se nada tivesse acontecido. À noite, afastava a insônia com remédios para dormir. Evitava pensar que tinha um câncer incurável. Mas, aos poucos, fui me rendendo a ele. Quando percebi, estava deitado inerte na minha cama, entregue ao meu destino. Parei de trabalhar, não voltei mais ao hospital para as sessões de quimioterapia e não falava mais com ninguém. Havia desistido da vida. O sofrimento nos olhos da minha mulher e dos meus filhos me transformou em pedra, não queria mais sentir dor, não queria que tivessem pena de mim, queria apenas morrer o mais breve possível. Porém, num dia, sem motivo algum, decidi que iria passar meus últimos meses de vida fazendo só o que tivesse vontade. Desde brincar na chuva sem ninguém interferir a um passeio de avião. Hoje, vim ver o mar. Cresci no interior de Mato Grosso e, embora tivesse acumulado dinheiro suficiente para viajar a qualquer lugar do país, nunca havia dedicado um tempo para mim mesmo a fim de realizar este desejo. Quando era criança pensava em trabalhar para realizar os meus sonhos, quando trabalhava pensava em juntar dinheiro para um dia realizar os meus sonhos e parar de trabalhar, quando juntei dinheiro não parei de trabalhar e não realizei os meus sonhos. Foi preciso me transformar num doente terminal para que me lembrasse de que não havia cumprido os meus planos de criança. Para ser sincero, nem me lembro mais de quais eram os meus sonhos. Nestes últimos meses, também fiz coisas que nunca tive coragem. Uma delas foi dizer a minha mulher que a amava e que não saberia viver sem ela. Descobri que dizer isso a uma mulher não é demonstração de fraqueza e sim um ato de amor. Levei-a para passear e andamos de mãos dadas sem medo de parecermos ridículos. Ao vê-la feliz ao meu lado, percebi que poderia ter feito isso há muito mais tempo. Um simples gesto de carinho havia sido enterrado sob um machismo sem sentido. Numa noite, sentindo falta do seu corpo, mas quase sem forças, pedi que me seduzisse e que tomasse para si o comando do sexo. Descobri que poderia ter tido com ela tudo o que procurara em outras mulheres. De repente, a vida se tornara simples, sem preconceitos, sem julgamentos alheios, sem sentimentos de culpa. Sentia-me feliz e com uma imensa vontade de viver. Uma crueldade do destino estava acontecendo comigo. Agora que a vida se tornara para mim mais fácil de ser vivida, a morte próxima era certa. Queria mais tempo para aproveitar esta minha nova fase, ser verdadeiramente feliz, livre. Mas não me revolto, se a vida se tornara mais fácil, a morte também. Agora que sou feliz, posso partir. Lembro-me de meu pai dizendo pouco antes de morrer: “não me deixam nem lavar a louça; sou um velho que vai morrer e não posso nem lavar a louça.” Descobri a verdade na frase: “É nas pequenas coisas que se encontra a verdadeira felicidade.” Poderia ter descoberto isso a mais tempo e, assim, levaria uma vida melhor. Quanto tempo perdido! Talvez o meu destino fosse este: ter uma vida infeliz e só nos últimos meses descobrir a simplicidade de ser feliz. Mas tenho certeza de que agora estou pronto para partir. Todo mundo deveria ter uma chance desta antes de morrer. Pelo menos, uma chance de ser feliz.

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